domingo, 5 de fevereiro de 2012

No tempo da grande infância

Antes de todo o fim existe um começo.



Não fora possível pensar nos seus últimos instantes em algo bom que vivera durante a infância. Costumava pensar na infância como um grande período, uma ocasião de grande nada que toma conta de sua vida. Quando se lembrava da infância, espaço totalmente oposto ao que vivenciava nos últimos minutos de sua vida, lembrava do cheiro das massas da modelar sujando o chão da cozinha enquanto sua mãe transitava de um lugar para o outro, cuidando do almoço que seria posteriormente sorvido.
Lembrava também da segurança dos braços, dos abraços, dos beijos e das carícias que todos lhe prestavam. Sentia-se calmo, quente e seguro. Com o passar do tempo todos esses sentimentos sumiam em torno do dia-a-dia: o calmo já não era tão calmo quando o dia de domingo reservava um passeio ao zoológico da cidade, nem tão seguro quando as constantes cólicas lhe arrebatavam o ventre durante as madrugadas.
A infância para ele era algo linear, seguindo desde o princípio a mesma linha reta e óbvia. Era uma época de grandes fantasias: brincava de deus e diabo com todos os seus artigos criativos, com suas massas de modelar e com os seus papeis para desenho. Brincava também com outras crianças, mas era sozinho que ele encontrava toda a magia da grande infância. E foi neste ponto que residiu talvez a principal característica de sua infância: a criação.
Com o passar dos anos muitas daquelas lembranças foram enterradas em algum lugar de sua cabeça. Algum lugar onde somente através de um esforço muito grande poderia talvez surgir em algum relâmpago de lembrança do passado. E nisto constituiu a sua infância: em um grande terreno fértil para semear o resto de uma vida; toda a sua base. Viveu a sua infância em um clima de solidão, um clima que acompanha a grande maioria das crianças em suas peripécias pelo mundo. E talvez aqui resida a principal dificuldade, a de ser criança em um universo de adultos, a de conviver com a diária solidão que a infância proporciona.
Daí a real necessidade desde estado criativo e fantasioso. Como viver em um mundo onde não podemos pular mais do que 30 centímetros no ar? Como conviver diariamente com brigas, mortes, trabalhos e manipulações e aceitar completamente tudo isto? Imaginar, fantasiar, criar um outro mundo onde tudo pareça possível, desde a infância. No resto, vivemos imitando nossos atos do passado, só que com novas vestes.