quarta-feira, 6 de junho de 2012

O Conto de fadas da adolescência



O conto de fadas da adolescência

A forma de elaborar um conto de fadas segue muitas vezes aquele modelo clichê e démodé em que o sujeito principal, sempre envolto de opressão e maldades, encontra em um obstáculo a possibilidade de redenção em um final-feliz contra toda a angústia do início da narrativa.
Mesmo que baseados em fatos irreais, passamos por nossas infâncias recheadas de aventuras deliciosas em torno da grama do vizinho, dos corredores semi-desconhecidos das casas-das-redondezas e por aquele sentimento quente de proteção que nunca conseguimos superar de fato. Talvez daí aquele sentimento de aversão à infância que construímos tão fortemente com o passar dos anos, nada mais que inveja.
É por aí que caminhamos para a adolescência: com aquele duplo sentimento de inveja das sociabilidades infantis e ao mesmo tempo de desejo e de consumo desse novo mundo adulto que chega às bancas dos 13 anos. Mas e como fica os contos infantis? Como as fadas e as Cinderelas habitam a vida juvenil?
Me lembro bem que chegando aos 15 ou 16 anos (não me lembro ao certo), gosta de fantasiar um mundo melhor, talvez um pouco como um conto-de-fada. Me lembro ainda com uma certa dor aquelas noites (sim, era sempre à noite que o sentimento de desgraça vinha me mostrar que aquele sonho da noite anterior não era real nesta manhã) em que dormia debaixo do ar-condicionado, enrolado em um lençol-azul-desbotado do tempo da grande infância.
A história começava tal como um conto: um mocinho, oprimido pelo dia-a-dia de uma vida escrota, fugia para muito longe, muito muito longe, aonde ninguém poderia lhe alcançar, a não ser a liberdade absoluta. No passe de uma mágica entrava na história, meio que se solavanco, um sujeito, de capa preta longa e de cabelos encaracolados, sem rosto definido, que me pegava pelos braços e que me levava para outro lugar.
O amor? Se consumia com um beijo, ou uma mordida, ou como um abraço, leve e reconfortante em uma cena de frio. Frio que talvez fosse a única coisa que de fato era possível sentir naquele momento. E era ao frio que eu me apegava, contraditoriamente ao frio. Um beijo em um travesseiro selava aquele sonho que se repetia dia após dia.

domingo, 5 de fevereiro de 2012

No tempo da grande infância

Antes de todo o fim existe um começo.



Não fora possível pensar nos seus últimos instantes em algo bom que vivera durante a infância. Costumava pensar na infância como um grande período, uma ocasião de grande nada que toma conta de sua vida. Quando se lembrava da infância, espaço totalmente oposto ao que vivenciava nos últimos minutos de sua vida, lembrava do cheiro das massas da modelar sujando o chão da cozinha enquanto sua mãe transitava de um lugar para o outro, cuidando do almoço que seria posteriormente sorvido.
Lembrava também da segurança dos braços, dos abraços, dos beijos e das carícias que todos lhe prestavam. Sentia-se calmo, quente e seguro. Com o passar do tempo todos esses sentimentos sumiam em torno do dia-a-dia: o calmo já não era tão calmo quando o dia de domingo reservava um passeio ao zoológico da cidade, nem tão seguro quando as constantes cólicas lhe arrebatavam o ventre durante as madrugadas.
A infância para ele era algo linear, seguindo desde o princípio a mesma linha reta e óbvia. Era uma época de grandes fantasias: brincava de deus e diabo com todos os seus artigos criativos, com suas massas de modelar e com os seus papeis para desenho. Brincava também com outras crianças, mas era sozinho que ele encontrava toda a magia da grande infância. E foi neste ponto que residiu talvez a principal característica de sua infância: a criação.
Com o passar dos anos muitas daquelas lembranças foram enterradas em algum lugar de sua cabeça. Algum lugar onde somente através de um esforço muito grande poderia talvez surgir em algum relâmpago de lembrança do passado. E nisto constituiu a sua infância: em um grande terreno fértil para semear o resto de uma vida; toda a sua base. Viveu a sua infância em um clima de solidão, um clima que acompanha a grande maioria das crianças em suas peripécias pelo mundo. E talvez aqui resida a principal dificuldade, a de ser criança em um universo de adultos, a de conviver com a diária solidão que a infância proporciona.
Daí a real necessidade desde estado criativo e fantasioso. Como viver em um mundo onde não podemos pular mais do que 30 centímetros no ar? Como conviver diariamente com brigas, mortes, trabalhos e manipulações e aceitar completamente tudo isto? Imaginar, fantasiar, criar um outro mundo onde tudo pareça possível, desde a infância. No resto, vivemos imitando nossos atos do passado, só que com novas vestes.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Este foi o fim


Quando pensava em morrer, no exato momento do seu último suspiro, imaginava um longo túnel iluminado por cristais incandescentes e acompanhado por cantoras de blues gritando em seus ouvidos, como em uma grande sinfonia de sereias. Pensava que morrer significava transcender, evoluir para um degrau acima na escala musical, atingindo assim um estágio superior de existência.
Acontece que muitas vezes traçamos caminhos e idéias que acreditamos tão fielmente que não nos importamos com a realidade. Foi mais ou menos o que aconteceu neste caso particular, uma história que confunde morte, vida e sonho em um mesmo prato.
Olhava agora, no momento exato de seu último suspiro, um par de pernas que passava apressado na sua frente. As pernas pareciam caminhar de cima para baixo em um movimento fisicamente dubitável. Apesar da visão turva, era possível perceber claramente que eram pernas femininas, acompanhadas com duas meias-calças e um sapato executivo vermelho. Passaram tão rapidamente que mal conseguira fixá-los em sua mente moribunda. A sua face, marcada a ferro por uma vida espinhosa, tinha um aspecto de um completo horror, difícil de ser descrito por palavras.
Foi então neste exato momento que a escuridão começou a invadir a sua mente. O desespero talvez começava a aparecer de forma mais clara, mas já não era tão possível assim elaborar um pensamento complexo sobre existencialismo ou sobre o desespero do fim da vida. Aceitava possivelmente o que estava ali proposto para ele, mesmo com o seu olhar de terror. Pouco a pouco, em frações de segundo não ouvia, não sentia e nem falava mais nada, estava em completo êxtase e paralisado pelo completo terror do fim.
Quando finalmente o par de pernas passou pela sua visão turva, percebeu que um dos seus olhos não alcançava a luz da noite, que estava fixado no chão enquanto o outro conseguia ver por alguns centímetros parte do mundo que continuava la fora. Estava em posição fetal, talvez por saudades dos tempos em que tinha alguma segurança. Pouco a pouco, em mais uma fração de segundo, a sua visão se despediu, deixando no centro de sua perspectiva um pequeno ponto branco, cercado da escuridão que agora tomava o seu ser.
Pensou por fim que estava tudo acabado, mas ainda pensava em algumas coisas, em alguns momentos que transpassaram a sua existência. Pensava na infância e nas caminhadas pelos parques solitários de sua antiga cidade, pensava também em alguém que talvez já não sabia distinguir quem era. Talvez tivesse sido alguém importante, mas também não conseguia lembrar-se. Tudo o que conseguia naquela escuridão desesperadora era agarrar algumas lembranças espaças de um passado não tão recente quanto o tiro que levara. Estava mais lento e, em mais uma fração de segundo, talvez esta sim a última, agarrou uma última lembrança que vagava pela sua cabeça, agora fria.
Esta lembrança se consolidou como especial e escolheu, se é que fosse capaz de fazê-lo, como a última lembrança que levaria consigo daquele terror. Pouco a pouco, nesta última fração de segundo, foi identificando os elementos desta sua memória, que agora aparecia em sua mente como uma fotografia antiga, amarelada e descascada pela escuridão.
Era um quarto, uma cama, uma mesa pequena e quadrada que mal comportava uma cadeira inserida em seu interior. Tinha ao seu lado um travesseiro que servia para apoiar a sua coluna e, no colchão inferior ao da cama, estava um rapaz que não conseguia lembrar-se direito quem era. Esforçou-se ao máximo para lembrar quem era aquele que já não possuía rosto ou personalidade. Sabia perfeitamente de suas formas, cada contorno do seu corpo, passando pelo seu rosto, pelos seus dedos, pela sua cintura e pelas suas pernas. O desespero aumentou neste momento e, enquanto seu coração batia pela última vez, tentou esboçar um grito no mundo la fora, mas já não tinha energia e percebeu que aquele era de fato o fim.
Morreu, desapareceu com uma estranha feição de terror e desespero, não pela morte em si, mas por talvez não ter reconhecido de quem era aquela face que se escondeu por detrás da escuridão. Depois de estático, foi possível perceber que do seu olho emergido na superfície saltava uma lágrima esboçada, mas não desenvolvida suficiente para escorrer pelo seu rosto frio e molhado pela chuva. Este foi o fim.