terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

O garoto e o monstro



Como em todos os dias ruins de sua vida, era domingo. Um domingo que se repetia dia a dia, dia após dia, dia e noite. No final da tarde já estava cansado, jogado na sarjeta em uma posição fetal, com a sua cabeça levemente apoiada sobre a calçada de algum lugar que nem ele mesmo sabia onde era. Já não era o seu lar, não era a sua rua. Era o estranho, o escuro, o frio: o Mundo. Mas no final das contas não era tarde, ainda era manhã, daquelas com um sol bem quente, com uma transitar de pedestres, buzinas, carros para cima e para baixo e estudantes. 
De repente se lembrou que era um deles, se levantou da sarjeta, cabisbaixo, e saiu em direção a um lugar que não sabia aonde era. Triste, moribundo e cansado, andava aos poucos; gotas rastejadas em desabafo cruel. Era essa a frase que lhe resumia. Andou algum tempo até que o chão se abriu e o engoliu em uma rotina venenosa, traiçoeira, uma rotina que a muitos aparece no nome de vida. Mas não era a vida que estava presente ali naquela figura daquele garoto daquela escola daquela situação daquele sofrimento daquela dor. A dor era o último reduto de existência, era a única ligação dele com a realidade. Seus fones se tornaram os seus melhores amigos, o seu braço esquerdo e o seu braço direito. Sentado em uma cadeira com a mão no queixo tentava se lembrar de algo que fizesse sentido, de um motivo, de uma razão, mas a manhã passava e nenhuma resposta aparecia.
De repente entendeu que o mundo, que a sua sarjeta e que tudo o que estava a sua volta era um monstro. Um daqueles bem horripilantes, grandes, fortes, ameaçadores e cruéis. Tentou fugir dos seus grandes dentes, de seus braços. Chorou, chorou, chorou por algum tempo até que a realidade final veio a sua cabeça.
Mas ainda era manhã, o sol ainda batia forte na sua testa, seu rosto ainda ardia com o calor e seus ouvidos doíam com o buzinar de carros e as conversas (absolutamente sem sentido) de estudantes que caminhavam para a escola, eram estudantes?
Os dias não passavam, eles rastejavam lentamente por suas veias e por seu olhar semi-aberto, focado para o chão, para o nada. As lágrimas não desciam, nem os gritos e nem a dor, mas o que lhe restava então? Restavam seus amigos, seus companheiros, seu braço esquerdo e direito. Por algum tempo foi bom, funcionou, o garoto encontrara na música um sentido para o mundo que na verdade não fazia sentido algum. Durante algum tempo a sua música o preencheu, o abasteceu de dor e existência, até que por fim acabasse.
Então correu, correu pela noite (mas ainda era dia), correu  por entre os carros, por entre os pedestres, correu. Fugiu, se escondeu. Mas não adiantava, o monstro sempre estava lá para lhe abraçar, ele era carne, era o asfalto, estava nas vozes, nos cantos escuros.
A manha ainda ardia nos seus olhos, com o mesmo buzinar de carros, com as mesmas conversas sem sentido, com a mesma escola. Sua insustentável existência já estava trincada por dentro e por fora de uma forma que nem a música podia o abraçar. Então finalmente aceitou a única forma de botar fim a isto, ao menos a única forma que podia se ver através dos carros, das carnes e da apatia A única forma de deixar a noite chegar, de fazer o dia correr, voar, acelerar. Então o garoto fechou seus olhos, sentiu a sua respiração fraca, sentiu o frio nos seus pés descalços e queimados, e antes que o monstro ,que a todos engole, pudesse pensar em chegar perto dele, ele abriu os olhos.
Já não havia luz, já não era manhã. Os carros não existiam e nem as conversas sem sentido, já não havia escola e nem nada mais, nem mesmo escuridão. Foi neste momento que o garoto percebeu que não havia mais corpo, que não havia mais mente, que não havia mais nada, que ele mesmo já não havia, e sorriu, antes que seu sorriso não houvesse mais.

Este post vai a homenagem a alguém que eu não sei, a alguém que eu não sei aonde, nem o que. Desculpe os erros de português, blablabla.

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